quinta-feira, 10 de abril de 2008

Condutores de Campinas: a crise moral e política do sindicalismo propositivo.

O flagrante de extorsão envolvendo dirigentes do Sindicato dos Motoristas e Cobradores de Campinas envergonha tanto a categoria quanto o conjunto dos trabalhadores brasileiros. Seus principais dirigentes, acompanhados por dois assessores (uma advogada e um jornalista) foram filmados extorquindo R$ 600 mil em dinheiro de uma empresa de plano de saúde. Tratava-se de uma contrapartida exigida pela direção da entidade, pelo fato de ter convencido os trabalhadores da categoria a aceitarem a proposta de convênio médico. Se não recebessem o valor estipulado ameaçavam paralisar a categoria. Foram presos no momento em que contavam o dinheiro.

O caso revela a degradação moral de uma parte do movimento sindical brasileiro e exprime, em sua face mais corrompida e corrupta, as profundas mudanças sofridas pelo movimento sindical brasileiro a partir da década de 1990. De lá¡ pra cá¡, aplica-se com virulência o projeto neoliberal e o ataque aos direitos sociais e trabalhistas, como a reestruturação produtiva e o aumentou do desemprego, da precarização das relações de emprego, do crescimento da informalidade e das terceirizações. Anos da ressaca, causada pela derrota histórica sofrida pelos trabalhadores com o fim do socialismo no leste europeu e com a derrota de Lula à eleição presidencial de 1989.

Reles sindicalismo

Incapaz de responder a estes desafios, o movimento sindical, incluindo as entidades filiadas à CUT (Central Única dos Trabalhadores), assistiu a um enfraquecimento das mobilizações vividas nos anos 80. Muitos dirigentes sindicais oportunistas e de corte social-democrata passaram a criticar o sindicalismo combativo e classista surgido no final de 1970. Usaram os revezes sofridos pelos trabalhadores entre 1980 e 1990, para advogar a necessidade de se adotar um sindicalismo dito propositivo, que se mostrou nada mais que uma adaptação passiva desses dirigentes a ordem capitalista. Muitas entidades sindicais, praticando uma espécie de neo-corporativismo, integraram câmaras setoriais em aliança com os patrões, para defender os interesses de seu ramo econômico. Dirigentes sindicais passaram a compor, principalmente nas empresas estatais, seus conselhos consultivos e a administração dos seus fundos de pensão, tornando-se compradores das empresas estatais privatizadas e formando uma casta burocrática mais interessada em administrar negócios do que em fazer a luta de classes.

Inúmeros sindicatos recorreram ao dinheiro do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) para oferecer cursos de requalificação profissional, assumindo inescrupulosamente a idéia da burguesia brasileira que atribui ao trabalhador pouco escolarizado e qualificado a culpa pelo desemprego. Coroando essa degeneração, as comemorações do 1º de Maio, Dia Internacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras, são financiadas por entidades patronais e reúnem milhões de pessoas atraí­das por popstars e pelo sorteio de casas e de automóveis.

Pé-de-meia: degeneração moral e polí­tica

É nesse ambiente marcado pelo economicismo mais vulgar, no qual lideranças operárias reduziram as aspirações polí­ticas dos trabalhadores ao despolitizar e burocratizar as lutas sociais, que muitos dirigentes sindicais copiaram os pelegos de outrora e fizeram do mandato sindical um meio de vida. Passaram a usar as entidades que dirigem para se afastarem do inferno da produção e adquirirem status perante suas categorias. Fizeram da atividade sindical um trampolim para mandatos a qualquer esfera (federal, estadual ou municipal) ou indicações a cargos comissionados na máquina do Estado. Burocratizaram-se e deixaram de se preocupar com as reivindicações mais elementares de suas categorias. Usaram os sindicatos, para fazer pé-de-meia.

É nesse contexto que os fatos vergonhosos envolvendo os dirigentes sindicais de Campinas devem ser analisados. Ao serem presos extorquindo a empresa de convênio médico que serviria à categoria, expuseram não somente sua degradação moral, mas sua degeneração política.

Ao intermediarem a negociação com uma empresa privada revelam uma adequação, que parte do movimento sindical fez, à lógica do mercado e a privatização dos serviços públicos. É o abandono à luta por mais e melhores direitos e pela aplicação de polí­ticas públicas de caráter universal, incluindo a assistência médica.

Rede Globo: nova denúncia, velho golpe

O destaque dado pela Rede Globo em vários telejornais regionais e nacionais com as cenas que mostravam a extorsão não se deve a preocupações morais ou éticas. Tampouco ao destino que se daria ao dinheiro dos trabalhadores. A denúncia se insere exatamente no momento em que o Congresso Nacional discute o reconhecimento das centrais sindicais e o repasse de 10% da arrecadação da contribuição sindical para seu financiamento.

A oposição de direita (PSDB, DEM e PPS) ao governo Lula pretendia tornar o desconto da contribuição sindical opcional, com o trabalhador tendo o direito de oposição. Derrotada nessa proposta, tentou incluir um parágrafo que submetia as contas das entidades sindicais ao Tribunal de Contas da União. Então, a denúncia serviria como uma pressão sobre os parlamentares para aprovarem o controle sobre as contas dos sindicatos e das centrais, revolvendo a velha tradição de nossa classe dominante de interferir nas organizações dos trabalhadores, através do Estado. O que quer a oposição de direita ao governo Lula senão enfraquecer ainda mais os sindicatos, buscando impor um controle que lhes dificulte ações, ainda que tí­midas, contra os efeitos mais funestos da exploração capitalista. Com esse intuito ela utilizou as imagens que flagravam a corrupção por dois motivos. O primeiro é o de desmoralizar o conjunto do movimento sindical, tentando fazer crer que todos os sindicatos são iguais. O segundo é o de justificar a interferência do Estado nas organizações dos trabalhadores, através do controle de suas contas.

Retomar o classismo e a combatividade

Após as denúncias, a revolta e a indignação de muitos trabalhadores demonstram a necessidade de se retomar a prática de um sindicalismo classista e de luta. Aos poucos, os trabalhadores brasileiros começam a perceber os engodos do projeto neoliberal e as mentiras difundidas pela reestruturação produtiva, que prometiam a estes uma parceria com o capital. Ao sofrer com o aumento das terceirizações e da precarização, o trabalhador reconhece a importância dos sindicatos como órgãos de defesa de seus interesses. Cabe ao sindicalismo classista que se reorganiza, como a Intersindical, mostrar aos trabalhadores que existem outras formas de ação sindical que não se renderam à lógica do capital. Cabe a nós, portanto, praticar intransigentemente um sindicalismo defensor dos interesses dos trabalhadores e capaz de lhes mostrar que a luta contra os patrões pode garantir nenhum direito a menos e avançar nas conquistas.



Campinas, abril de 2008.

Renato Nucci Junior (nuccijr1@yahoo.com.br)- secretário sindical e de massas do Comitê Estadual do Partido Comunista Brasileiro de São Paulo.

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